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quinta-feira, 25 de março de 2010

Gente de cá - Zé do Forno


Em tempos que já lá vão não existiam padarias em Colos, nem ninguém que viesse de fora vender pão. Eram as próprias famílias que amassavam á medida das necessidades de cada uma, levando de seguida o pão para cozer num dos três fornos existentes na freguesia.
José Pereira, mais conhecido em Colos por Zé do Forno, nasceu em Garvão há 85 anos. Com cerca de 20 anos, veio viver para Colos com os pais e os dois irmãos, à procura de uma vida melhor, depois de em moço ter ajudado o pai, que era moiral, a guardar porcos.
Ao chegarem a Colos, o pai comprou um dos três fornos que coziam o pão na terra, pondo-o a ele, que era o mais velho, a cuidar do negócio. Tudo isto nos anos 40 do século passado.
Trabalhando sozinho, era pau para toda a obra: apanhava lenha «onde a agarrava e a deixavam trazer», acendia o forno, ia buscar os tabuleiros com o pão cru e mais tarde ia entregá-los aos donos com o pão já cozido.
Para que tudo corresse bem, tinha que ir de véspera a casa dos fregueses para saber que é que precisava de cozer no dia seguinte. As pessoas amassavam de noite pois tinham de trabalhar de dia.
O pagamento da cozedura era feito no sistema da “maquia”: o dono do forno, em vez de receber em dinheiro, ficava com um certo número de pães de entre o total da cozedura. Já não se lembra das quantidades exactas, mas a coisa rondava um pão de “maquia” por cada 12 ou 15 pães cozidos. A partir de certa altura mudou o sistema de “maquia”, passando o serviço a ser pago em dinheiro.
Casou com 22/23 anos, mas nunca teve filhos «porque não calhou». A mulher morreu ainda nova, com cerca de cinquenta anos. Como não tem descendentes directos, a casa do forno vai ficar para os sobrinhos.
Deixou de cozer no inicio dos anos oitenta, depois de ter tido que arranjar «um livro de contabilidade para assentar os pães que cozia e o ordenado que tirava» e de lhe terem exigido «condições para continuar a cozer que ele não tinha», tendo decidido por isso «da baixa do forno».
Neste momento, ele e o irmão mais novo, de 79 anos, vivem no Lar da Misericórdia em Colos.Tem uma pensão de 42 contos (210 euros) que serve para pagar o alojamento e ainda lhe dão «algum troco».
Esteve doente há cerca de dez anos atrás. Levaram-no para Odemira e a seguir para Beja e «desde essa altura ficou a viver no Lar», onde «come, dorme, vê televisão e vem até cá fora apanhar sol quando o tempo deixa».
Obrigado Ti Zé, por ter cozido o pão que durante quatro décadas alimentou muitos dos habitantes da Vila de Colos.

Publicado no Jornal  Costa a Costa