Já antes aqui tinha feito referência a Nelson Banza e ao seu Blog Alentejanamente Comendo.
O Nelson tem 37 anos, é natural de Colos e é destaque na edição desta semana do Diário do Alentejo
Nasceu em
Beja, filho de naturais de Entradas, cresceu em Colos e vive em Santiago
do Cacém. É um alentejano dos quatro costados e, enquanto profissional
da cozinha, interessam-lhe particularmente as “tradições, origens,
costumes e história” da gastronomia da região, que partilha com os
leitores no blogue “Alentejanamente Comendo”. Um espaço onde também
sugere inovações, mas sempre fiel aos ingredientes originais, sem os
quais, defende, as receitas tradicionais perdem a sua identidade.
Entrou
para a cozinha pela porta do exército e descobriu uma vocação. Hoje é
profissional da área, ao serviço da Escola do Serviço de Saúde Militar
(ESSM), em Lisboa, e como chefe na Quinta das Tílias, em Santiago do
Cacém, e mantém o blogue “Alentejanamente Comendo”, onde divulga as
raízes históricas dos comeres da região.
Foi no Exército que descobriu que queria ser cozinheiro. Como foi esse processo de descoberta?
Não
tinha ainda bem definido o que queria seguir profissionalmente e então,
aos 18 anos, decidi ingressar como voluntário para o exército. Uma vez
lá dentro, comecei a explorar as várias portas que poderia abrir para a
minha carreira profissional. E a que mais me despertou a atenção foi a
cozinha; sempre tive um fraquinho e um fascínio pela cozinha. Pedi para
fazer um curso de cozinha, e ao fim de duas semanas estava a caminho da
Escola Prática de Administração Militar, na Póvoa de Varzim. Ainda na
tropa, deram-me um estágio de três meses num hotel de 4* em Santarém, a
respetiva carteira profissional de cozinheiro e depois fui para a Messe
de Oficiais em Caxias.
Onde está a grande diferença entre cozinhar no meio militar e no civil?
Está
na diversidade das ementas, no racionamento dos géneros e sobretudo na
linha que temos que seguir quando elaboramos um determinado prato. Não
po}demos inventar muito nem fugir muito, temos que fazer mesmo aquilo
que está na ementa com os géneros que nos dão. Tudo se torna muito
repetitivo, as ementas rodam e os pratos são sempre os mesmos. Ao
contrário, no meio civil, podemos dar asas à criatividade sem pedirmos
autorizações.
Quando e com que propósito surgiu o blogue “Alentejanamente Comendo”?
Surgiu
em 2012 com o propósito de promover, divulgar e partilhar a nossa rica
cozinha alentejana que, sem dúvida, é um dos grandes potenciais valores
da região.
É um investigador das origens e da história da
cozinha alentejana. Que contributos ficaram dos vários povos que por cá
estiveram?
É muito importante “desenterrar” da história as
origens desta tão fascinante cozinha; é muito importante dar a conhecer a
todos, sobretudo aos mais novos, as raízes da cozinha alentejana, a
grande influência dos muçulmanos. Por exemplo, saber a história da tão
afamada sopa de beldroegas, da nossa açorda alentejana, da sopa de
tomate, entre tantas outras deixadas pelos árabes; saber como era a
nossa cozinha na época da expansão; e também como era vista a cozinha
durante o Império Romano. Tudo isto é importante e não se deve perder – o
Alentejo é um herdeiro afortunado da prestigiada influência árabe.
É possível modernizar o nosso modo tradicional de comer sem lhe retirar identidade?
Sim,
é possível modernizar o nosso modo tradicional de comer sem lhe retirar
a tradição. Ainda hoje existem lugares onde se cozinha conforme a
tradição e a receita árabe. Lembro-me, por exemplo, do ensopado de
borrego feito ao sabor das brasas e com os ingredientes idênticos aos da
época. Atualmente não é muito usual, mas podemos continuar a fazer uma
boa sopa de feijão frade no nosso fogão a gás mantendo o método
tradicional! É possível usar os nossos produtos tradicionais com as
nossas receitas regionais dando-lhes um ar mais moderno e inovador, sem
‑lhes retirar a identidade. Quando se alteram os ingredientes de uma
receita tradicional, então esta deixa de ser uma receita tradicional!
Podemos alterar o método de confeção mas não a receita.
Carla Ferreira (Diário do Alentejo)